#26: Ana Rita Calmeiro (advogada/escritora)

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Natural de Castelo Branco, onde nasceu em 1977, desde muito cedo que a advogada e escritora Ana Rita Calmeiro se deixou envolver e moldar pelo mundo das letras.

Com raízes repartidas entre a cidade de Coimbra e a aldeia raiana de Freixial do Campo, as primeiras experiências literárias da jovem beirã remontam à escola primária. Aos quinze anos, a aluna aplicada tinha já lido de tudo e preparado a pessoa que queria ser. Nos livros estrutura o pensamento, arma e armadura sempre “mais corrosiva que o tempo”. Com eles cultiva o sentido crítico, a tolerância e a humildade.

No liceu percebe que poderia ser não só escritora, mas também bailarina clássica. Mas como ao amor pelo conhecimento se acrescentaria o amor pela liberdade, pela verdade e pela justiça, o lema ”paz aos homens, guerra às ideias” acaba por falar mais alto.

Em 1995, Ana Rita Calmeiro vai para Coimbra, onde se licencia em Direito e se deixa contaminar também pela dinâmica cultural e literária da academia. Anos mais tarde, ainda na cidade dos estudantes, seguiam-se as pós-graduações em Direito Fiscal das Empresas, Direito das Empresas, Direito Processual Civil e Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente.

De regresso a Castelo Branco, onde estagia e exerce desde 2003, a hoje advogada da Calmeiro, Martins & Associados é mestranda em Direito Administrativo na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa, instituição onde se pós-graduou em Ciências Jurídicas.

Na filosofia, descobriu também a consciência social e a importância da cidadania e da intervenção pública. Depois de ter sido candidata à Assembleia da República, desde 2013 que Ana Rita Calmeiro é membro da Assembleia Municipal de Castelo Branco pelo Partido Social Democrata.

Na sua obra poética, derradeiro reduto da felicidade no entender da própria, a autora de “Os espinhos não têm perfume” (edição própria, 1995) e de “Luminária” (Alma Azul, 2002) dá voz e asas às palavras através dos versos curtos com que ergue uma escrita simultaneamente emocional e racional e assume o ofício de forma corajosa e desprendida, com a elevação e a plenitude que a caracterizam.

Postura que se reflecte também na coluna de opinião que assinou durante mais de uma década no jornal Reconquista. Espaço onde não só dá a conhecer as suas leituras e escritores de eleição – de Eça de Queirós a Agustina Bessa-Luís, James Joyce, Simone de Beauvoir, Joseph Conrad, Goethe, Tolstoi, Tchekhov, Jane Austen, García Márquez ou Émile Zola –, mas também fala dos locais e situações que lhe convocam a memória, da importância dos afectos, das razões do coração ou da razão, ou dos actos de resistência e perseverança sempre a tempo de transformar o mundo. Isto é, nós e os outros.

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Das descrições de Eça de Queirós aos sermões do Padre António Vieira, ”os grandes escritores têm a capacidade de retratar a densidade psicológica das pessoas. Quando conheço alguém, atribuo-lhe uma personagem que li”, confessa Ana Rita Calmeiro, rodeada de alguns dos companheiros de quatro patas que baptizou com os nomes de figuras cujas “formas mais sensíveis de estar” a marcaram.

Da conversa gravada ao lusco-fusco tardio de Outono na quinta dos avós paternos, retiro familiar onde lhe germinou a consciência “da finitude da vida e da importância dos afectos”, sobressai o gosto da convidada pela simplicidade, entregando-se, contudo, “a coisas complicadas”.

Atesta-o a paixão de longa data pela sua própria formação, fruto do contacto permanente com os livros. Ana Rita Calmeiro e uma colega da escola primária estreiam-se com um conto policial em que as duas aventureiras desvendam todos os mistérios. Já no sótão da avó, a proto-escritora descobre as colecções da mãe e das tias. “De tanto ler, envelheci cem anos. A literatura retira espontaneidade à realidade.”

Mais tarde viria a filosofia, “arma” que “nos faz questionar o destino” e “direcciona para aquilo que queremos ser”. Contudo, “sem tempo para pensar, não temos tempo para nos revoltarmos.” E apesar da certeza de que “o conhecimento gera uma segurança: a de que devemos duvidar sempre”, confrontado com os dilemas da existência humana, “um bom ‘ledor’ tem que trilhar um caminho de humildade”, característica necessária também “na troca de ideias e na vida em comunidade”.

A “beligerância natural“ do carácter da futura advogada seria extravasada através do Direito e da advocacia, que lhe permitiram “ser livre, lutar pela liberdade.” O apego à verdade e à justiça, sumariado no adágio “paz aos homens, guerra às ideias”, tem bom exemplo na palestra de um político famoso em Coimbra, onde Ana Rita Calmeiro não é indiferente ao rapaz “enorme, barbudo, gigante” que o insulta. Indignada, “fui dizer-lhe de forma séria que tinha sido mal educado”. A réplica à frontalidade surpreende-a: “tu és baixinha, mas muito corajosa!”

Sem medo de enfrentar situações novas, a jovem estagia em Castelo Branco, na sala de espera do escritório de um advogado meio século mais velho. “Olhei para aquele sábio, e sabia que estava no sítio certo. Não devemos ser prisioneiros das nossas circunstâncias”, acrescenta, contrariando Ortega y Gasset. “As oportunidades são as que criamos e sabemos aproveitar. A seriedade é aquilo que nos faz permanecer na profissão, com credibilidade.” Ou não fossem os “heróis discretos”, citando Mário Vargas LLosa, “o último reduto da moralidade”.

Soma-se a importância de “conciliar diferentes interesses e maneiras de ver o mundo”, também na esfera pública. “O essencial é saber cooperar, conjugar esforços para o bem comum.” Se nas crónicas as inquietações de Ana Rita Calmeiro são materializadas “de forma mais pragmática”, já na poesia, e tal como os pássaros, as suas palavras têm também canto e plumagem. Herança de Sophia de Mello Breyner, “mãe poética” que “ensinou os meus sentidos a sentir.“

Superados os “desabafos da adolescência” e “a incapacidade de dizer”, com Elsa Ligeiro, da editora Alma Azul, a poetisa aprende que “versos perfeitos não precisam de reticências”. E é no sublime que continua à procura da sua voz autoral. “Tento dissecar os meus versos para que nada tenham de supérfluo. Não tenho pressa em escrever. A criatividade precisa de ociosidade, a poesia de ser amadurecida.”

Das viagens com o pai e com as amigas ficam outras memórias já digeridas: em Londres, onde conseguiram os últimos bilhetes, e na primeira fila, para o musical ‘Cats’; em Berlim, da fuga do hotel, à revelia do progenitor, para conhecer as ruínas de uma catedral; ou em Paris, “onde tive as experiências mais violentas”.

Ensinamentos transponíveis da esfera pessoal para a profissional. “Devemos sair para sermos os melhores, mas voltar, se pudermos, para valorizar as nossas raízes”, com tudo o que se foi achando. “É esse o verdadeiro cosmopolita.”

E se para a velhice fica a vontade de aprender a tocar violoncelo ou piano, entretanto a música (e a dança), da clássica ao jazz, serve-se em casa com a farta luz das janelas. “São os elementos da minha felicidade domingueira”.

Jorge Costa (texto) e Pedro Amaro (fotos)

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